sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A Arquitetura da Angústia.





















São Paulo, 07.01.2008

Estou sozinho no meu quarto, observando a noite negra de uma brisa levemente fria, no som toca Portishead. É inevitável a sensação “deprê” que toma conta de qualquer ambiente que se toque essa banda, pois além de uma perfeição narcísea, é impossível não se arrepiar ao ouvir a canção “Humming” com seu inicio fantasmagórico. Se o Portishead tivesse sido criado nos anos 20, com certeza F.W.Murnau usaria como trilha sonora de seus filmes se esse recurso estivesse a época disponível, pois não há como não comparar com a famosa cena da projeção da sombra de Nosferatu com suas garras afiadas, e com o medo primitivo que o expressionismo alemão nos dá. Já “All mine” é uma sinfonia quase fúnebre, com batidas secas e cortantes, um clipe “PB” climático e uma menina assustadoramente inexpressiva, quase morta no vocal, acompanhada por uma banda de velhos vestidos em trajes de gala para um concerto cemiterial. Com o transcorrer da canção e o bradar dos versos, chega-se ao refrão clamoroso que é o título da música, nessa hora um efeito cria um vulto crescente da menina a deformando, dando-a uma aparência medonhamente cadavérica. Outra experiência sombria é ficar em silêncio absoluto no escuro ouvindo a faixa “Over”, é como vagar a meia-noite pelo cemitério da consolação e perder-se entre seus labirintos. Medo e paranóia, depressão e vertigem são sensações causadas pelas músicas desse álbum*, que invadem nosso inconsciente despertando fantasmas internos que há muito estavam mofando em nossa mente. O solo torto de guitarra aos 3 minutos e 28 segundos sobe a espinha como um calafrio, com um sopro na nuca inesperado no meio da noite. Mas há também beleza no Portishead, principalmente na singeleza da gélida “Mourning air”, que começa com um sussurro e uma pequena e fina seqüência de dissonâncias de baixo tom de guitarra, porém aos 0:35 segundos ouvisse um metal, aquele que tudo salva, uma clarineta ou espécie de trombeta do juízo final preludiando a canção. Esse clarin da inicio a um acid jazz denso, climático, marcado por uma linha de baixo soturna e um vocal levemente desesperado de uma Beth Gibbons inspirada. A tradução livre dessa canção chega a um “Ar fúnebre”, e fala sobre fraqueza e dependência em relação a hesitação em se dar uma nova chance a uma possível traição. É um belo tratado de angustia e beleza mórbida, não se assemelha em sonoridade, mas em termos de profundidade é possível ver um “quê” de The Cure no Portishead, é ouvir pra crer.













* O álbum mencionado é “Portishead”, homônimo de 1997.